Samuel Hanan**
Com a aproximação das eleições, pré-candidatos a presidente da República se apresentam ao eleitorado prometendo, mais uma vez, o que sempre prometem e nunca cumprem. Usam e abusam do discurso fácil para ganhar ou reconquistar a confiança da população que, embora já cansada de falsas promessas, em sua maioria ainda não se mostra capaz de discernir entre o que é essencial para o País e o que é apenas conteúdo de propaganda eleitoral, entre o que é factível e o que é ficção.
Como se viu até agora, de maneiras diferentes os pré-candidatos falam em conceder auxílio permanente aos menos favorecidos e mais necessitados; melhorar o ensino em todos os níveis; ampliar os serviços de saúde pública com melhor qualidade; reduzir drasticamente a insegurança pública; fazer uma ampla reforma tributária, para cobrar mais de quem pode mais e menos de quem pode menos, e ampliar a desoneração de tributos incidentes sobre a cesta básica. Propõem também punição severa aos que agridem o meio ambiente; premiação para quem conserva as matas e para quem denunciar aqueles que desmatam a Floresta Amazônia; tornar a diplomacia Brasileira a liderança mundial na preservação desse patrimônio ambiental e no respeito aos povos indígenas e suas terras; implantar programa amplo de moradias populares; acabar com reeleições, e democratizar o acesso aos recursos dos fundos partidário e eleitoral. Tudo muito bonito no papel e nas inserções partidárias na televisão, em horário gratuito para os partidos e candidatos, mas custeado com o dinheiro dos contribuintes.
A verdade, porém, é que esses pontos não podem ser considerados propostas porque, em sua essência, não passam de um elenco de boas intenções, aplicáveis a qualquer país, ou mesmo uma espécie de bula de uma instituição de governo ou organização social não governamental. Propostas só podem assim ser chamadas se contiverem um mínimo de evidências de como serão executadas e se houver definição clara dos recursos necessários e de suas respectivas origens. Não é o que se viu até agora.
Qualquer mudança proposta não deve ser levada a sério se não abordar de forma profunda e transparente como serão enfrentados os problemas que há décadas vêm assombrando o Brasil. São entraves que se prolongam no tempo e, surpreendentemente, ainda são ignorados no presente. Estão ausentes do debate político, tristemente comprometendo o futuro do país.
Nesse rol estão a efetiva punição à prática da corrupção; o restabelecimento da prisão em segunda instância; o combate efetivo aos crimes contra a administração pública; a vedação a qualquer candidatura a cargo público de pessoas tornadas rés por decisão colegiada de magistrados; a eliminação do foro privilegiado; o fim da farra fiscal e dos gastos tributários da União, que superam 4% do PIB (R$ 350 a 370 bilhões/ano), privilégios inaceitáveis concedidos sem transparência e sem auditagem permanente, em maioria esmagadora longe de cumprir os preceitos constitucionais de redução das desigualdades regionais; e, por fim, a drástica redução do gigantismo da máquina pública, inadiável porque somente o funcionalismo público custa 13,4% do PIB brasileiro, em contraste com a média (9,6% a 9,8%) dos 37 países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e com serviços públicos de qualidade inferiores a todas essas nações. Somente essa diferença entre o Custo Brasil e a média de gastos da OCDE com o funcionalismo significa R$ 330 bilhões/ano, uma fortuna destinada à manutenção de privilégios, enquanto os profissionais da educação, da saúde e da segurança pública recebem remuneração indigna.
A pré-campanha já sinalizou que novamente assistiremos aos líderes nas pesquisas ignorarem a corrupção ou até negarem sua existência, como se tivessem surgido do nada os bilhões de dólares devolvidos aos cofres públicos por corruptos e corruptores por força de delações premiadas e acordos de leniência, todos homologados pela Justiça. Ignoram que o mal da corrupção corrói o Brasil e custa ao país algo entre R$ 130 a R$ 180 bilhões/ano, segundo estimativas de entidades brasileiras e internacionais.
Triste país em que filigranas jurídicas permitem que políticos investigados, processados, julgados e condenados em primeira instância (ou mesmo colegiado em segunda instância), tornem-se novamente elegíveis, por conta da anulação dos processos. Tecnicamente, esses processos voltam à etapa inicial, porém é o suficiente para que alguns se autoproclamem inocentados pelos tribunais superiores. Não é a verdade, mas é a versão que se repete à exaustão.
Nenhuma surpresa, portanto, se em breve assistirmos aos mesmos acusados de corruptos e corruptores pleitearem nos tribunais a devolução dos bilhões de dólares arrecadados nos grandes esquemas de desvio de dinheiro público como o “mensalão”, o “petrolão”, o “eletrolão” e o dos Correios, dentre tantos outros.
A crise ética que contamina o Brasil ainda está longe de ser superada. E esse é apenas um dos mais graves problemas que o país precisa enfrentar para superar suas maiores dificuldades e garantir vida digna aos cidadãos. Isso, no entanto, exige conhecimento, planejamento, gestão competente e seriedade no trato da coisa pública. Promessas rasas não resolvem; apenas procrastinam as soluções até as próximas eleições.
** Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor do livro “Brasil: um país à deriva”.
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