Um tema, que diz respeito à chamada “tese do século”, tem causado muita apreensão entre os contribuintes. A inquietação, de fato, é justificada. Por meio de ação rescisória, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) quer cancelar créditos obtidos com a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins.
Para avaliar os impactos desta ação da PGFN sobre a realidade do contribuinte, convém nos aprofundarmos sobre alguns fatos.
Em maio do ano passado, quando concluíram o julgamento da “tese do século”, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) limitaram os efeitos do Recurso Extraordinário nº 574.706/PR, de 15 de março de 2017, em face dos embargos de declaração opostos pela Fazenda Nacional.
Ao julgar estes embargos em 2021, o STF concluiu que o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS e da Cofins é todo aquele destacado na nota fiscal da operação de venda, e não apenas o efetivamente recolhido.
O Supremo definiu ainda a modulação dos efeitos da decisão, utilizando como data-base o julgamento de mérito. Assim, de 15 de março de 2017 em diante, nenhum contribuinte precisa mais recolher PIS e Cofins com o ICMS embutido na conta.
Vale destacar também que foram criadas situações diferentes em relação à recuperação de valores pagos a mais no passado, antes da data-base. No entendimento do STF, o contribuinte com ações em curso até o dia 15 de março de 2017 tem direito à restituição integral. Isso quer dizer que a aferição dos créditos retroage até cinco anos antes do ajuizamento da ação.
Para quem ingressou com ação após esta data, a regra muda. Tomemos como exemplo uma empresa que entrou com o processo em 2018. Nesta situação, o contribuinte tem direito a recuperar somente o que pagou de forma indevida desde 2017.
Retomemos agora o tema que vem tirando a tranquilidade do contribuinte, em especial das empresas que ajuizaram ações depois da data-base, ou seja, 15 de março de 2017, e obtiveram na Justiça decisão que lhes garante o direito de devolução dos valores integrais que pagaram a mais à União.
Para lançar luz sobre a discussão, trazemos o caso de uma empresa paulista com atuação no setor automotivo. Com aproximadamente R$ 50 milhões em créditos garantidos pela Justiça, seus proprietários foram surpreendidos no início de setembro com a ação rescisória da PGFN que, além de reabrir o processo, pretende reduzir pela metade os créditos a que a empresa tem direito.
De fato, a ação rescisória pode ser apresentada até dois anos do encerramento do processo. No caso da empresa paulista, a ação foi proposta em segredo de Justiça e um dia antes do prazo final no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3).
A empresa à qual nos referimos ingressou com ação principal no dia 30 de março de 2017, ou seja, 15 dias após a fixação da data-base para a modulação de efeitos do RE nº 574.706/PR. A decisão definitiva da Justiça sobre a utilização dos créditos, no entanto, foi dada ao contribuinte antes de o STF impor a limitação.
O caso da empresa paulista é realmente exemplar. Esta situação demonstra que a modulação de efeitos não pode impactar decisões definitivas, ainda mais quando não há mudança de posicionamento, tampouco alteração do mérito por parte do STF.
Notem que, de março de 2017 a maio de 2021 passaram-se mais de quatro anos no Supremo entre a decisão de mérito e a modulação. Neste período, muitas empresas que ingressaram com ações depois de março de 2017 já haviam se beneficiado com decisões finais, transitadas em julgado. Por serem anteriores, estas decisões individuais não trazem a limitação de tempo.
Diante da situação, o contribuinte deve estar preparado. Em 2021, a PGFN obteve pelo menos duas decisões liminares para suspender os efeitos de decisões transitadas em julgado que favoreciam os contribuintes.
Mas o que se espera nos julgamentos de mérito é que a jurisprudência, firmada por meio de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal, traga o necessário balizamento para as decisões, de forma a não prejudicar o contribuinte.
*Leandro Nagliate – OAB/SP 220.192. Advogado formado em 2003 pela PUC de Campinas, é especialista em direito previdenciário e tributário. Leandro é sócio da Nagliate e Melo Advogados, em Campinas (SP).
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